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ILICITUDE

1 - ILICITUDE

1.1 - Conceito

A segunda característica do crime é denominada, pela maior parte de nossos doutrinadores, de antijuridicidade. É preferível denominá-la, com ASSIS TOLEDO, ilicitude, expressão mais correta, para refletir a relação de antagonismo entre o fato típico e todo o ordenamento jurídico, como queria HANS WELZEL.

Utilizar a expressão antijuridicidade é inadmissível nos tempos modernos, pelo menos entre os estudiosos do Direito, uma vez que não se pode imaginar um fato ser, ao mesmo tempo, jurídico e antijurídico1. É de toda obviedade: um crime é, sempre, um fato capaz de alterar ou modificar as relações entre as pessoas, criando direitos e obrigações. É um fato do qual resultam conseqüências de natureza jurídica para certo número de pessoas.

É, de conseqüência, um fato da vida que tem relevância e interesse para o Direito. É, assim dizer, um fato jurídico.

Caráter objetivo da ilicitude

A ilicitude é puramente objetiva, independendo das condições pessoais do agente, de sua capacidade de responder pelo que fez.


Como já se disse, e não é demais repetir, a ilicitude é resolvida num juízo de valor acerca da lesividade do bem jurídico.

Houve lesão, houve perigo de lesão ao bem protegido? Se a resposta é positiva, há ilicitude. Se negativa, não há ilicitude. Se não há lesão, o fato é permitido, e não interessa ao Direito Penal, cuja missão é tutelar os bens jurídicos mais importantes, protegendo-os das lesões ou ameaças mais graves de lesões.

Não importa seja o agente do fato incapaz de entender seu gesto, ou absolutamente incapaz de se autogovernar. Mesmo que seja um menor de 18 anos, seu comportamento, se lesivo de um bem jurídico, é e será ilícito, pois que a ilicitude existe por si só, não estando vinculada às qualidades ou condições pessoais do sujeito ativo do fato.

De conseqüência, os incapazes do ponto de vista penal podem cometer fatos típicos e ilícitos. Sua incapacidade penal implicará outra conseqüência, adiante analisada (IDEM).

1.2 - Juízo de ilicitude

 

É um juízo que é feito pela ordem jurídica, um juízo generalizado, um juízo de desvalor que incide sobre o facto praticado, ou seja:

 

·         A ordem jurídica fórmula um juízo negativo sobre quem adopta um determinado facto que a ordem jurídica considera um facto proibido;

·         Ou faz incidir um juízo de desvalor, porque efectivamente a pessoa não adoptou o comportamento que devia ter adoptado quando a lei o exigia.

Neste sentido tem-se que o juízo de ilicitude é um juízo de desvalor generalizado que incide sobre o próprio facto.

 

Este juízo de ilicitude diverge de um juízo de culpa, ou de um juízo de censura de culpa.

No juízo de censura de culpa há também um juízo de desvalor, mas que é já um juízo individual, é um juízo feito pela ordem jurídica mas que incide já não sobre o facto praticado, mas recai sobre o agente, precisamente porque o agente actuou tendo praticado um facto ilícito, quando podia e devia ter-se decidido diferentemente, quando podia e devia ter actuado de harmonia com o direito. Portanto, no juízo de censura de culpa, o que se reprova é o agente (por isso é um juízo individualizado) por ele, naquele caso concreto, ter actuado ilicitamente, quando podia e devia ter actuado de forma diferente, ou seja, licitamente. Donde, o juízo de ilicitude é um juízo que procede necessariamente o juízo de censura de culpa: se em sede de culpa a ordem jurídica dirige ao agente um juízo de desvalor porque ele praticou um facto ilícito, então o juízo de ilicitude tem de ser anterior; tem se der firmado anteriormente que o facto praticado pelo agente é um facto ilícito (CAENEGEM, 1999).

 

 

 

 

2 - Regras gerais e princípios que enformam as causas de exclusão da ilicitude

 

As causas de exclusão da ilicitude é determinada circunstâncias que, a estarem presentes excluem a ilicitude do facto praticado, ou justificam o facto típico praticado pelo agente.

Vigora um princípio, que é o princípio da unidade da ordem jurídica, ou o concerto unitário de ilicitude, princípio esse que está expresso no art. 31º CP. Portanto, o facto, não é ilícito quando a ilicitude for excluída pela ordem jurídica na sua globalidade.

Quando a ilicitude de um facto for excluída por qualquer elemento do ordenamento jurídico, então esse facto não deve ser visto, para o direito penal, como um facto ilícito, como um facto não justificado.

Desde logo por força do princípio da subsidiariedade do direito penal.

Se o direito penal, de harmonia com este princípio, só deve intervir e emprestar a sua tutela robusta quando a tutela fornecida por outros ramos do direito não for suficientemente eficaz para tutelar cabalmente bens jurídicos reputados como fundamentais e essenciais à sociedade; então se os outros ordenamentos jurídicos para determinados factos consideram que o comportamento é lícito, não deve vir o direito penal incriminar e emprestar a sua tutela àquele facto, que não merece tutela jurídico-legal, precisamente porque outros ordenamentos jurídicos prescindiram da sua consideração como facto ilícito, mas consideram-no um facto aprovado.

As causas de justificação, como visam excluir a ilicitude e irresponsabilizar o agente, são normas penais favoráveis. Assim sendo, a elas não estão ínsitos os princípios de garantia e as limitações impostas, enquanto garante do princípio da legalidade, como acontece com as normas positivas ou normas que fundam positivamente a responsabilidade jurídico-penal do agente.

As causas de exclusão da ilicitude em direito penal não são apenas as que estão enumeradas no art. 31º CP mas todas aquelas que o ordenamento jurídico na sua globalidade considera como relevantes para afastar a ilicitude de um determinado facto.

Outra ideia comum às diferentes causas de justificação é a seguinte: inerentes a todas as causas de justificação existem elementos subjectivos. O elemento subjectivo da causa de justificação é, um elemento comum a todas as causas de justificação.

Toda a doutrina concorda num ponto: havendo elemento subjectivo da justificação só está aprovada, só está justificado, se se verificarem simultaneamente os elementos objectivos e subjectivos das causas de justificação, (PONTES DE MIRANDA, 1981).

 

Porém, verificando-se tão só a situação objectiva de justificação mas faltando o elemento subjectivo:

b)     Para determinada doutrina o facto é ilícito, mas o agente é punido por tentativa;

c)     Para outro sector da doutrina o facto é também ilícito, mas o agente é punido por facto consumado;

d)     Outros autores distinguem consoante a causa de justificação tenha, quanto ao elemento subjectivo um elemento intelectual e um elemento volitivo:

·         Nas causas de justificação cujo elemento subjectivo tenha esta dupla estrutura, se o elemento subjectivo tenha esta dupla estrutura, se o elemento subjectivo não estiver preenchido o agente é punido por facto consumado;

 

·         Se o elemento subjectivo da justificação prescindir do elemento volitivo e se contentar só com o elemento intelectual do conhecimento, ou seja, se o elemento subjectivo não tiver uma estrutura dupla, estão faltando o elemento subjectivo o agente é punido por facto tentado.

 

Existe doutrinas que fundamentam a existência da legítima defesa, como causa de justificação: a doutrina monista e a pluralista.

 

a)     Doutrina monista

Para esta doutrina todas as causas de justificação se filiam numa ideia comum; a noção de ideia comum é que varia de autor para autor.

Poder-se-á dizer que inerente a todas as causas de justificação existe uma ideia de ponderação de interesses: do interesse a salvaguardar do interesse ameaçado. Portanto, uma ideia de ponderação de interesses.

 

b)     Doutrina pluralista

Há quem considere diferenciadamente, para cada uma das diferentes causas de justificação, diferentes fundamentos.

 

 

 

 

3 - Fundamentação da legítima defesa

 

Não é tanto uma ideia de ponderação de interesses, uma ideia de proporção entre o interesse ofendido e o interesse lesado com a defesa, mas a ideia de que o direito não deve ceder ao não direito. Esta ideia é de alguma forma visível se distinguir na legítima defesa duas vertentes:

 

·        Uma vertente ao lado individual;

·            Uma vertente ao lado colectivo-social.

 

E isto porque, inerente à legítima defesa, dum ponto de vista (ou dum prisma) meramente individual, está uma ideia de auto-protecção.

Mas, quando se olha a legítima defesa já por um prisma social ou colectivo, vê-se que o seu fundamento é a reafirmação do direito negado. Se há uma reacção contra uma acção ilícita, de alguma forma está-se a repor um direito negado com a agressão, precisamente porque a agressão é ilícita.

Partindo desta ideia do lado individual e do lado social da legítima defesa, pode-se assentar no seguinte.

Em primeiro lugar, com base nesta ideia de auto-protecção (lado individual da legitima defesa) não há legítima defesa de interesses públicos. Quer-se dizer com isto que a defesa de interesses públicos é feita pelos meios coercivos normais, pelas forças públicas de defesa. No entanto, existem determinados interesses públicos que, ao serem ofendidos, podem ter uma certa repercussão pessoal na esfera jurídica dum titular. E se assim for podem defender-se interesses ou bens de natureza pública.

Por outro lado, à ainda atendendo a esta ideia de auto-protecção, não há legítima defesa de terceiros contra a vontade do agredido ou do ofendido, isto é, não há legítima defesa de terceiros se esse terceiro não se quiser defender ou não quiser ser defendido por uma determinada pessoa em concreto.

Como princípio, e ainda dentro da ideia de auto-protecção, diz-se que não há legítima defesa contra tentativa impossível, (FERRAZ JR., 2001).

 

 

 

3.1 - Distinção entre legítima defesa e direito de necessidade

 

Na legítima defesa, ao contrário com o que sucede com o direito de necessidade, não se exige que haja uma sensível superioridade entre o bem que se pretenda salvaguardar e o bem que é lesado com a defesa.

Já no âmbito do direito de necessidade, nos termos do art. 34º CP uma pessoa só actua em direito de necessidade quando, para afastar um perigo que ameaça de lesão um determinado bem jurídico, lesar outro bem jurídico que não seja superior ao bem que se pretende salvaguardar. Portanto, tem de haver uma ideia de ponderação entre os interesses a salvaguardar e os interesses lesados com o exercício do direito de necessidade, (IDEM).

 

 

3.2 - Elementos da legítima defesa

 

O defendente, defende-se duma agressão actual e ilícita.

Uma agressão, para efeitos de legítima defesa, é todo o comportamento humano que lese ou ameace de lesão um interesse digno de tutela jurídica. Tem de ser uma agressão humana. Dentro deste conceito de agressão também se entende que todos aqueles movimentos corpóreos que não constituem acções penalmente relevantes, não são considerados agressões para efeitos de legítima defesa, porque são movimentos que não são dominados pela vontade humana.

A agressão pode consistir ou num comportamento positivo ou numa omissão.

A agressão pode ser dirigida quer a bens ou interesses de natureza pessoal, quer a bens de natureza patrimonial do defendente ou de terceiro, consoante se esteja no âmbito de uma legítima defesa própria ou alheia. E é uma agressão qualificada: para além de haver uma agressão, ela tem de ser: actual e ilícita.

a)     Agressão ilícita

É toda a agressão contrária à lei, não necessitando contudo de consistir numa actuação criminosa. Para ser uma agressão ilícita, tem de se tratar de uma agressão não justificada, contra legítima defesa não existe legítima defesa.

b)     Agressão actual

É actual, a agressão que está iminente, isto é, prestes a ocorrer, a agressão que está em curso ou em execução, ou simplesmente a agressão que ainda dura.

Nos crimes duradouros há actualidade enquanto durar a consumação, isto é, há actualidade para efeitos de legítima defesa enquanto não cessar a consumação.

As situações em que falta o requisito da actualidade da agressão podem ser reconduzidas a situações de acção directa (art. 336º CC).

Existem também determinadas causas de justificação supra-legais, nomeadamente a legítima defesa preventiva.

Ainda em sede de legítima defesa e para caracterizar esta agressão actual e ilícita, tem-se que distinguir os casos de mera provocação de pré-ordenação (ou provocação pré-ordenada).

 

c)     Mera provocação

 

A agressão que o defendente repele com a defesa há-de ser uma agressão que até pode ter sido provocada pelo próprio defendente e aí, ainda existe legítima defesa. O que não pode é a agressão que o defendente repele ter sido pré-ordenada pelo defendente com o intuito de agredir simulando uma defesa.

Um outro elemento da legítima defesa, também de natureza objectiva, no entendimento da Profa. Teresa Beleza a impossibilidade de recurso à força pública, ou a impossibilidade de recurso em tempo útil aos meios coercivos normais, (IDEM).

 

A Profa. Cristina Borges Pinho na esteira de pensamento do Prof. Cavaleiro de Ferreira considera que esta ideia de impossibilidade de recuso em tempo útil aos meios coercivos normais não é tanto um pressuposto da legítima defesa, mas é um problema que se reconduz à racionalidade do meio empregue, a adequação da defesa.

Vale mais não exigir como pressuposto da legítima defesa a impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais; é depois, na análise do meio que o defendente utiliza para repelir a agressão actual e ilícita é que se vai ver se há ou não uma defesa necessária.

 

Um outro elemento objectivo da legítima defesa é a racionalidade do meio empregue, ou defesa necessária: meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita que ameaça interesses juridicamente protegidos do defendente ou de terceiro.

Para que se actue ainda legitimamente, para que se actue ao abrigo desta causa de exclusão da ilicitude é preciso verificar se o meio utilizado para repelir uma agressão iminente e ilícita de que esta a ser vítima, ou de que está a ser vítima um terceiro, é um meio racional, adequado para afastar essa agressão. Se o meio utilizado pelo defendente para afastar a agressão for um meio desajustado, um meio que ultrapassa os limites da racional, então já não se está perante a situação de legítima defesa, estar-se-á no âmbito de um excesso de legítima defesa (art. 33º CP).

 

3.3 -  Excesso de legítima defesa

As situações de excesso de legítima defesa, pela não verificação da racionalidade do meio empregue na defesa, porque é um meio que ultrapassa o necessário, faz com que já não esteja perante uma causa de exclusão da ilicitude. O facto é pois ilícito.

E sendo facto ilícito, contra um excesso de legítima defesa é admitida a legítima defesa.

 

A defesa excessiva pode resultar também do art. 33º/2 CP onde se fala em não censuráveis, esta não censurabilidade é uma causa de desculpa.

O facto é ilícito, mas o agente não é punido: ainda que o agente, para se defender, tenha actuado ou respondido em excesso, ele não vai ser punido. O facto praticado pelo agente é ilícito, sendo ilícito constitui uma agressão ilícita em termos de poder ser defendida legitimamente.

Pode-se então dizer que o meio necessário para repelir a sua agressão é, dos vários meios que o agente tem à sua disposição, o mais suave mas um meio de eficácia certa (CRUZ, 1855).

 

3.4 - Restrições ético-sociais à legítima defesa

 

São aqueles casos em que as agressões provêm de crianças, de pessoas com a sua capacidade de avaliação sensivelmente diminuída, pessoas embriagada, etc. De um modo geral, de pessoas inculpadas, de inimputáveis, ou também daquelas pessoas que têm quanto à vítima uma relação de parentesco.

Nestes casos entende-se que o lado social da legítima defesa desaparece, ficando tão-só, dentro da sua fundamentação, o lado individual, a necessidade de auto-tutela ou auto-protecção de interesses.

Estas restrições traduzem-se precisamente em considerar mais exigente o meio necessário para repelir essas agressões que partem das pessoas referidas.

 

3.5 - Elemento subjectivo: “animus defendendi”

Há autores que entendem que as causas de justificação não têm elementos subjectivos e referem inclusivamente que não existe nenhuma expressão literal, em sede por hipótese de legítima defesa, que inculque a ideia ou a necessidade de ter presente este elemento subjectivo que é o “animus defendendi”, ou seja, a consciência que uma pessoa tem de que está na iminência de ser agredida é a vontade que tem de se defender.

A maior parte da doutrina considera que isso não é verdade. O elemento subjectivo do consentimento é precisamente o conhecimento do consentimento.

Se existe consentimento na realidade, mas o agente desconhece esse consentimento, o agente actua com falta do elemento subjectivo, porque não tem conhecimento do consentimento. E a lei diz: se assim for, se houver consentimento mas o agente actuar desconhecendo esse consentimento, ou seja, faltando o elemento subjectivo desta causa de justificação, o agente é punido por facto tentado.

O “animus defendendi” é a consciência que uma pessoa tem de que está perante uma agressão e a vontade que a tem de repelir, ou a vontade que tem de se defender dessa mesma agressão.

Existe divergência doutrinária quanto à falta do elemento subjectivo, quando estão preenchidos os elementos objectivos da legítima defesa.

Em primeiro lugar, existe unanimidade doutrinária (para aqueles que os elementos subjectivos integram as causas de justificação) no sentido de que se faltar o elemento subjectivo da legítima defesa ou de qualquer outra causa de justificação, concretamente se faltar o “animus defendendi”, o facto não está justificado – o facto é um facto ilícito.

A doutrina não está de acordo quanto à forma de punir o agente, nestes casos em que objectivamente está preenchida a causa de justificação, mas tão só falta o elemento subjectivo.

 

3.6 - Limite à legítima defesa resultado do art. 337º CC

 

Enquanto no Código Civil a legítima defesa exige que o prejuízo causado pela acção de defesa não seja manifestamente superior àquele que se pretende evitar, portanto joga-se aqui com uma ideia de ponderação de prejuízos entre os bens danificados com a defesa e os bens que se pretendem defender. O art. 32º CP não joga com essa ideia.

 

Por outro lado e ainda em confronto com o art. 337º CC vê-se, que a legítima defesa na lei civil apresenta um carácter subsidiário, ou seja, só é possível recorrer aos próprios meios quando não seja possível fazê-lo através dos meios coercivos normais.

 

3.7 - Essa situação não é um pressuposto da legítima defesa do art. 32º CP:

·      Esta matéria em sede de direito penal é regulada não pelo Código Civil mas pelo Código Penal;

·       Depois, porque o Código Penal é em relação ao Código Civil lei posterior;

·       Finalmente, porque esta interpretação que se propõe, confere uma maior cumplicidade ao funcionamento da legítima defesa e, consequentemente, um alargamento da não responsabilização criminal do agente; de outra forma seria alargar o campo de punibilidade.

 

4 - Direito de necessidade

 

Quanto ao seu fundamento, assenta já numa ideia de ponderação de interesses entre o bem jurídico ou interesse ameaçado por um perigo e o bem jurídico ou interesse que se sacrifica para afastar esse perigo.

O interesse ou o bem jurídico cujo perigo se afasta tem que ser superior ao interesse sacrificado. Isso diz-se expressamente um dos elementos do direito de necessidade, nomeadamente pela verificação do preceituado do art. 34º-b CP.

A causa de justificação ou de exclusão da ilicitude, designada direito de necessidade ou estado de necessidade objectivo, também dito estado de necessidade justificante (art. 34º CP), precisamente para distinguir do art. 35º CP que prevê o chamado estado de necessidade, também dito estado de necessidade subjectivo ou desculpante:

 

·                  Enquanto o direito de necessidade, ou estado de necessidade objectivo ou justificador é uma causa de exclusão da ilicitude;

·                  O estado de necessidade “tout court” ou estado de necessidade subjectivo ou desculpante é uma causa de desculpa.

 

4.1 - Elementos do direito de necessidade

 

Foi-se ver que por força do preceituado no art. 34º CP a situação de perigo não pode ter sido voluntariamente criada pelo agente, excepto se tratar de proteger um interesse de terceiro.

O perigo tem que ser um perigo real e efectivo. Se o perigo for uma mera aparência de perigo, estar-se-á então no âmbito do chamado direito de necessidade putativo, aqui não há um perigo real e efectivo, há tão só um perigo pensado ou suposto, o perigo é tão só na cabeça do agente, é uma situação de direito de necessidade putativo, em que o perigo é só penado na cabeça do agente e que se chama erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de justificação, cuja previsão normativa e regulamentação está no art. 16º/2 CP.

Por outro lado, o perigo que se visa afastar tem que ser um perigo actual, ou seja, tem que ser um perigo que exista naquele momento ou que está iminente, perigo esse que pode advir de factos naturais ou facto humanos

É preciso ainda que cumulativamente se verifique outro elemento desta causa de justificação previsto no art. 34º-b CP: que exista uma sensível superioridade entre o interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado.

Isto passa pela análise de se verificar qual é o interesse mais valioso, daí que a doutrina por vezes aponte alguns índices para a determinação da sensível superioridade que tem de existir entre o interesse salvaguardado e o interesse sacrificado:

 

·         A medida das sanções penais cominadas para a violação dos bens jurídicos em causa, por referência à axiologia constitucional;

·          Deve atender-se também aos princípios ético-sociais vigentes na comunidade em determinado momento;

·         À modalidade do facto;

·         À reversibilidade ou irreversibilidade das lesões;

·         Às medidas de culpa;

·         À medida do sacrifício imposto ao próprio lesado.

 

4.2 - Estado de necessidade desculpante

 

Consagra-se no art. 35º/1 CP o estado de necessidade como obstáculo à existência de culpa.

O agente fica excepcionalmente dispensado da pena (art. 35º/2, 2ª parte CP). É que a isenção da pena e dispensa da pena são institutos diferentes (ver art. 74º CP), enquadrando-se o art. 35º/2 CP o instituto da dispensa de pena, porque ainda há culpa, embora em grau muito reduzido, e não no da isenção de pena, que afasta logo abinitio a punibilidade do facto.

Os casos de identidade de valoração de bens jurídicos e aqueles em que o bem sacrificado tem maior valoração que o ameaçado não cabem no âmbito do direito de necessidade e têm portanto que ser resolvidos por via dos normativos deste art. 35º CP.

A lei escalona a valoração de alguns dos interesses, pelo que se deve observar a ordem por que os enumera o art. 35º/1 CP. Trata-se de interesses eminentemente pessoais.

Para os casos em que a lei não refere expressamente, deverá entender-se que em princípio os interesses eminentemente pessoais predominam sobre os patrimoniais e que a própria lei, pela indicação dada através das sanções, estabelece o escalonamento entre os interesses da mesma natureza.

5 - Outras causas de exclusão da ilicitude

 

5.1 - Acção directa

Na acção directa visa-se não tanto repelir uma agressão, como na legítima defesa, mas evitar a inutilização prática de um direito.

Aqui se exige como pressuposto a impossibilidade de recurso em tempo útil aos meios coercivos normais e diz-se que o agente, para evitar a inutilização prática de um direito, pode adoptar um dos comportamentos aqui descritos: ou apropria-se de uma coisa, ou destrui-la, ou deteriorá-la ou opor uma certa resistência.

 

5.2 - Direito de retenção

O seu regime não está traçado no Código Penal, mas no Código de Processo Penal.

De um modo geral quando uma pessoa for apanhada em flagrante delito de um crime que corresponde a pena de prisão, os agentes da autoridade devem deter esse indivíduo; os outros indivíduos, que não os agentes da autoridade podem proceder à detenção.

 

5.3 - Direito de correcção

Direito de correcção que os pais têm sobre os filhos e que os professores têm sobre os alunos.

É esta uma causa de justificação entendida como de origem costumeira. O costume não é fonte de direito em direito penal, mas quando funciona como contra-norma, ou seja, afastando a responsabilidade penal do agente, portanto no âmbito de uma norma favorável, já não lhe vê serem-lhe aplicadas as limitações decorrentes do princípio da legalidade.

Portanto, o legislador aceita aqui o costume como causa de justificação ou de exclusão da ilicitude, (CRUZ, 1855).

 

 

 

6 - Consentimento

 

O consentimento do ofendido está previsto, como causa de exclusão da ilicitude no art. 38º CP. Importa distinguir:

·             Por vezes, o consentimento é uma causa de exclusão da ilicitude;

·               Noutros casos, o consentimento já não faz parte da ilicitude, não íntegra uma causa de justificação, mas é um elemento do tipo ou da tipicidade, podendo ser um elemento positivo ou um elemento negativo do tipo.

Existem determinados tipos legais que só estão preenchidos por exemplo sem o consentimento do agente, neste caso o consentimento não é uma causa de exclusão da ilicitude, mas um elemento negativo do tipo, tem que se verificar a ausência do consentimento para que a tipicidade esteja preenchida.

 

Noutras vezes o consentimento é também um elemento do tipo, mas um elemento positivo, nestes casos, para que o tipo esteja preenchido é necessário que a vítima de alguma forma dê um certo consentimento à conduta desenvolvida pelo agente.

Quando o consentimento é um elemento do tipo e ele não está presente, o tipo está logo afastado; já não se vai ver se o comportamento do agente é ilícito ou não.

Quando o consentimento não for um elemento do tipo, mas uma causa de justificação, então é que se tem de verificar se o comportamento típico do agente está ou não justificado pelo art. 38º CP.

Desde logo são de referir as características da pessoa que dá o consentimento, não é qualquer pessoa que pode validamente prestar o consentimento: a lei indica desde logo no art. 38º/3 CP: só maiores de quatorze anos podem, validamente consentir.

Por outro lado, tem de ser um consentimento actual (art. 38º/2 CP). E só se admite o consentimento para justificar lesões a bens jurídicos que sejam livremente disponíveis pelo seu titular.

 

Consentimento presumido: vem previsto no art. 39º CP; neste há uma situação em que se permite a lesão de determinados bens jurídicos, tendo em conta que se o titular desses bens tivesse conhecimento das circunstâncias em que a lesão ocorre, teria consentido essa mesma lesão, (, (FERRAZ JR, 2001).


Bibliografia

CAENEGEM, R. C. van. Uma Introdução Histórica ao Direito Privado. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. [Título original: Introduction Historique au Droit Privé].

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. São Paulo: Malheiros, 2006.

PONTES DE MIRANDA, Francisco. Fontes e Evolução do Direito Civil Brasileiro. 2.ed., Rio de Janeiro: Forense, 1981.

FERRAZ JR., Tercio Sampáio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2001, p.130-142.



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